2007/03/07

Manelinha

Quando cheguei do almoço o peixe boiava na bolha de vidro, numa água esverdeada, com o bucho muito inchado e as guelras dilatadas. Corri à casa de banho. Lá dentro, a D. Manuela, a Manelinha como lhe chamam as colegas do seu serviço, comia uma pêra, bojuda e madura. Sempre estranhei que a D. Manuela escolhesse para comer a sua merenda da tarde o local onde as outras mulheres evacuam, urinam, trocam pensos higiénicos, libertam peidinhos malcheirosos e bufas sonoras. Adiante. Pois, a D. Manuela fixou os olhos na bolha de vidro que eu trazia nas mãos. Ao dar-se conta da imobilidade do bicho gritou. “Ai, Doutora, não me diga que o coitadinho morreu!”, disse ela. E, cruzando as mãos no peito, começou uma litania insuportável sobre o padecimento dos animais e de que era por isso, pela afeição que se cria aos bichinhos, que ela, apesar de solteira, não queria bichos lá em casa. Queria poupar-se, explicou, a essa dor imensa. No final suspirou e enfiou mais um pedaço de pêra pela goela abaixo. Eu fiz um ar grave e disse-lhe “Pois é”. Depois despejei o cadáver do peixe na retrete e puxei o autoclismo.