Procurei um espelho. Encontrei um demasiado grande. Apanhei o cabelo. Abri o roupão. Fiz caretas e esgares. Depois de alguma hesitação, resolvi enfrentá-la, afastando o que a cobre. Afinal, pensei, foi por ali, por tal abertura que os meus filhos abraçaram o mundo. Foi ela, a minha vagina, que se dilatou e lhes franqueou a chegada. Foi ela que mos trouxe. Sem lhes provocar qualquer tipo de problemas. Portanto, nem que fosse pelos meus filhos, eu devia enfrentar a minha vagina. Olhá-la de frente. Olhei-a então. Durante algum tempo. Não sei como são as outras porque não ando a espreitar vaginas alheias, mas detestei a minha. Fez-me lembrar uma amiba, um crustáceo, uma ostra, uma lapa daquelas que estão presas às rochas da beira-mar e que se encolhem quando as soltamos. É monstruosa. Feia. É uma coisa muito primitiva, um resquício de antiguidade, de rudeza. O pior é que a sua forma, a sua consistência e textura revela como é o nosso corpo por dentro. O nosso corpo é bonito por fora. Por dentro é horrível, uma massa de sangue, nervos, gorduras, órgãos, fezes, vasos, tecidos, sucos, cartilagens, carne. A vagina está fora e está dentro do corpo humano. Tem uma natureza híbrida. Revela o que está oculto e se quer manter oculto. Voltei a fechar as pernas. Olhei-me no espelho. Espreitei os miúdos, a dormir, sossegados. Calei o Joe Dassin. Fui fumar para perto do aquário.