2007/03/14

Narrador

Mas nem sempre gosto dos que leio. Há outros que não me dizem nada. É, por exemplo, o caso do narrador, cujo nome não recordo, de “Um Amor Feliz”, do David Mourão Ferreira. Nunca me poderia apaixonar por tal sujeito. E, no entanto, dá corpo a um dos romances que mais gostei de ler. Entre nós (o tal narrador sem nome e eu) manteve-se sempre uma enorme distância. Ele, delambido, bem me tentou cativar, mas eu não deixei. Achei-o vaidoso. Pedante. Bebia champanhe com morangos. Comia caviar. E patês. Pior, muito pior, arranjava as unhas na manicura. Eu era lá capaz de amar um vaidoso de unhas arranjadas! Jamais. Depois, o sujeito tinha uma estranha maneira de amar. Amava elitisticamente. Como se o amor fosse uma coutada privada de determinada classe, de uma elite. Como se só quem vive em Cascais, quem vai a exposições, quem lê, quem ama a arte, o etéreo da vida, soubesse amar devidamente. Não sei explicar. Já Claúdio não. Ama na mais profunda solidão. Ama os que já não estão e os que, estando, não querem estar. Ou não estão mesmo. É um homem inteiro, cheio de dúvidas, intimista, íntimo, inseguro também. Amei-o nas primeiras páginas.