2007/05/29

Bombay Shapire

Entra um homem novo no café. Veste um casaco de cabedal. Usa óculos escuros demasiado grandes para o seu rosto pequeno. Parece um insecto. Uma varejeira de olhos esverdeados. Tem um corte de cabelo moderno. Levemente comprido atrás. Espetado em cima. Pela conversa, percebo que conhece os empregados. Fala sobre o Benfica e sobre o euromihões. Espia-me pelo canto do olho. Ri. Pergunta a uma das empregadas quando é que ela se despacha a levar o frio. Diz que tem saudades do calor, da praia da Caparica, das miúdas de camisolas de alças. Sacode levemente o corpo. Dá uma gargalhada pequena. Está contente consigo próprio. A mulher também ri. Para esconder o riso feio levanta uma mão muito vermelha e tapa a boca. O homem insecto pede um café. Cala-se por breves instantes. Estranho-lhe o silêncio. É inesperado. Escuto. Bzzzz, bzzzz, bzzz, faz o silêncio do homem-insecto. Volta a olhar-me. Mexe num telemóvel prateado. Olho para o escaparate espelhado que está à minha frente. Vejo-me do outro lado do espelho. Ali estou eu. Aquela sou eu. Tenho o cabelo solto. Estou velha e feia. Vivo rodeada de semi-deuses, de gente que não confessa uma infâmia, nem sequer uma amargura, jamais a solidão (como é bom plagiar os poetas). Ao meu lado um insecto gigante sorve uma chávena de café. Somos ambos grotescos. Desvio o olhar. Fixo-o numa garrafa quadrangular que contém um líquido azulado. Bombay Shapire.