2007/05/17

Nome (3)

Mais tarde, contou que vivia nos Anjos, perto do Intendente. Queixava-se que se cruzava, todos os dias, com as mulheres que por ali se vendiam e com os homens que por ali as compravam e usavam. Isso causava-lhe um asco enorme, um nojo desmedido. Descobri também que tinha uma paranóia por animais. Adorava-os. Amava-os. Cada vez que encontrava um cão abandonado na rua, falava-lhe como se estivesse a falar para um bebé. Com uma voz melada, insuportavelmente cheia de amor e ternura, com se os animais fossem as únicas criaturas puras do universo. Sempre me enervaram as pessoas que falam com as crianças como se estas fossem atrasadas mentais. Por isso, ainda mais me incomodava e irritava ouvi-la falar assim com um animal. Certa vez, no campo de futebol, estavam os miúdos da Voz do Operário a ensaiar para as marchas populares, cheios de arquinhos, a cantar cantiguinhas antigas, chateámo-nos. Só porque lhe disse que não gostava de animais. Que nunca na vida teria um animal. Ela ficou horrorizada. Fitou-me com um ar muito sério e, com aquela voz horrível, disse-me que se eu não gostava de animais não podia gostar de pessoas. Mandei-a à merda. Porém, reconheço agora, que a tontinha dos Anjos tinha razão. Não gosto de animais e gosto de poucas pessoas.