No quarto ano do curso de Direito, resolvi desistir da faculdade e tirar um curso profissional, daqueles que não servem para nada, na Voz do Operário. Era um curso, imagine-se, de Animação Cultural. Na primeira aula, lá tivemos que passar pelo suplício de nos apresentar. Dizer o nome, o que fazíamos, onde morávamos, a idade, as habilitações, etc... Estava eu, naquela moleza própria dos primeiros dias de aulas, à espera que chegasse a minha vez, quando, para meu espanto, uma rapariga que, nesse momento, se apresentava disse chamar-se Ana Clara. Despertei logo daquela sonolência. Como se atrevia alguém a ter o meu nome? Fixei nela os meus olhos. Com curiosidade, ódio e desprezo. Era míope, usava uns óculos grossos, demasiado grandes para o seu rosto. O cabelo escorrido, sem vida, tinha um tom indefinido. Uma mistura de castanho com cor de laranja. A sua pele era muito branca, nívea, salpicada por algumas sardas no rosto. Quem a visse, achava-a feia, por ter um ar demasiado sério, contido, nervoso. Acho que nunca a vi rir ou sorrir. Mas o pior era a voz, sumida, meio fanhosa, voz de uma verdadeira serial killer de rapariguinhas bonitas e felizes. Comia metade das letras de cada palavra, tornando quase imperceptível o que dizia.