2006/07/27

Agra

Tive um sonho erótico. Tenho que o anotar depressa sob pena de o esquecer. Fico triste quando me esqueço das pequenas imbecilidades que fazem a peculiaridade da minha pessoa. Sonhei com o Fernando Dacosta, o escritor. Aparecia, tal como é, feio, muito feio, com aqueles caracóis compridos, nariz adunco e óculos de aros escuros, integralmente nu, passeando-se de cá para lá à minha frente. Havia segurança no seu caminhar e, no entanto, era dotado de uma pila pequena, muito pequena, incrivelmente pequena. Um corpo de homem velho com uma pila de recém-nascido. Tal pila pequena despertava-me interesse. Não me causava qualquer sensação de prazer. Ou de desejo. Só curiosidade. Sonho estranho. Não me lembro de mais nada. Onde fui buscar o Fernando Dacosta? Bem vistas as coisas, não tive um sonho erótico, foi mais uma inquietação.
(O mundo desaba. Leio as notícias, os comentários, as opiniões. Às vezes, gostava de ter a simplicidade, a rudeza dos maniqueístas. Identificar os bons e os maus. Ser capaz de dizer, com vigor, “os israelitas são uns fascistas!” e acreditar nisso. Perco-me. Viro-me para um lado. Para o outro. Não sou capaz de opinar sobre o mundo, nem sobre as guerras que se fazem. Sou capaz, porém, de sonhar com o corpo macilento de um escritor velho e de me emocionar com a fotografia de uma revoada de pássaros brancos em Agra que descobri, ontem, perdida numa gaveta.)