2009/01/19

Chispe

Vou ao supermercado com os meus filhos. O mais velho desliza pelos corredores com as mãos enfiadas nos bolsos e as calças descaídas. A do meio saltita como se fosse uma libelinha, uma borboletinha, um bichinho delicado e frágil. O mais novo entretém-se a chupar os dedos, enterrado no carrinho que parece um trono. As pessoas que connosco se cruzam lançam sorrisos cheios de enlevo, como se, dessa forma, quisessem partilhar a nossa felicidade. A imagem de uma mãe com os seus filhos é sempre agradável, conforta-nos do vazio da vida, trata todas as maleitas do mundo, ameniza as quezílias do dia-a-dia. Há quem se meta com o bebé que, encantador, retribui com um sorriso baboso. Rejubilo com as minhas crias que me dão corpo e me tornam especial no corredor dos enlatados, na fila da peixaria, no açougue asséptico onde escolho embalagens de peru, galinha, coelho e, num devaneio incontrolável, um pedaço de chispe para fazer cachupa. Na caixa registadora, depois das pastilhas, chocolates e sacos de gomas, enquanto limpo o nariz da minha filha, topo com um escaparate cheiinho de revistas femininas, dessas revistas que toda a vida fiz questão de desprezar. Uma das revistas prende a minha atenção. Na capa, ao lado da imagem de uma miúda desgrenhada, magra e feia, oferecem-nos o kamasutra do sexo oral. O assunto interessa-me. Fosse eu uma mulher da má vida e seria conhecida, nos bordéis e lupanares desta cidade, pela exímia competência da minha boca. Faço deslizar a revista para o carrinho das compras e sorrio à menina da caixa, uma mulata bexigosa, que elogia os olhos dos meus filhos.