2009/02/25

Canibais

Li a notícia há dias: uma tribo amazona atraiu à sua aldeia um rapaz que vivia num povoado vizinho. Depois comeu-o. Quando os familiares procuraram o rapaz, deficiente mental, por sinal (era assim que o chamavam na notícia), encontraram apenas os restos do macabro festim: ossos roídos, o tutano chupado, um cheiro acre a carne esturricada. Os índios, de pança cheia, marimbando-se nos civilizados conceitos de integração e aculturação, arrotavam satisfeitos na sombra das palhotas. Lembro esta história cada vez que oiço os contestatários da legalização do casamento entre homossexuais argumentar que a mesma abrirá a porta a formas de organização familiar indesejáveis, como por exemplo, a poligamia.
O argumento da poligamia é rasteiro, ordinário mesmo. Sinceramente, custa-me vê-lo ser utilizado por quem tenho consideração e admiração. É o caso da Helena de Matos. É que se compara o que não é comparável. O casamento polígamo, ao contrário do casamento entre homossexuais, não assenta nem na igualdade, nem no respeito pela liberdade de cada um. Muito pelo contrário: é tradicionalmente um casamento que explora a mulher. A mulher é menorizada, vista como um objecto que se adquire, usa e deita fora. Não é por acaso que o casamento polígamo quase só existe nos países muçulmanos. Ainda recentemente o Curdistão aprovou uma lei a favor da poligamia que permite aos homens casar-se com uma segunda mulher, caso a primeira seja estéril ou tenha uma doença grave. Se o objecto adquirido for defeituoso, tem sempre o macho, esse magnífico e superior ser dotado de um falo, a possibilidade de o trocar.
A verdade é que não se conhecem em Portugal, nem na Europa, nem nos Estados Unidos, nem na Austrália, nem em nenhum país ocidental, associações que reivindiquem a legalização dos casamentos polígamos. Percebe-se que assim seja. Bem ou mal, as sociedades ocidentais já assimilaram a base dos direitos fundamentais e percebem que o reconhecimento da poligamia contende com uma série deles. Ora, ao contrário dos casamentos polígamos, o casamento entre homossexuais vem sedimentar o respeito pelos direitos fundamentais: reafirma-se a defesa da liberdade individual de cada um e, sobretudo, consagra-se a proibição de se ser descriminado em função da orientação sexual que se tem. Querer, de forma maliciosa, confundir uma coisa com a outra é intelectualmente desonesto. Não tarda nada, os contestatários do casamento entre homossexuais, tresloucados na sua homofóbica missão, estão a acenar-nos com o canibalismo das tribos indígenas. É ridículo. É.