2009/04/13

Paquiderme

Sentei-me estrategicamente atrás de uma das colunas do refeitório de modo a poder observar a mulher paquiderme sem ser vista. Tenho gosto em observar tudo o que é diferente, esquisito, grotesco. Dos miseráveis às pessoas com deficiências várias, aleijões, chagas, deformidades, angiomas, todos despertam o meu interesse e me fazem arranjar estratagemas para observá-los, com detalhe, na sua estranheza e indigência. Um simples coxear me faz virar a cabeça. Enquanto mastiguei os lombinhos de garoupa tratei de olhar a mulher paquiderme. Deve pesar perto de duzentos quilos. É um monte monumental de carne flácida e gelatinosa. Só o rabo dela, colossal, há-de pesar mais do que eu. Tem, porém, um rosto bonito, uma pele lisinha, o cabelo penteado com preceito. Hoje usava, enrolado ao pescoço, um lenço com bolinhas de cor que lhe dava uma certa graça. Às vezes, o marido vem almoçar com ela ao refeitório. É miudinho. Ciranda à sua volta, mimando-a, fazendo-lhe festas no rosto, colocando-lhe o bracito por cima do ombro. Levanta-se muitas vezes para lhe trazer sobremesas de plástico, bavaroises de ananás e semi-frios de frutas vermelhas. Ela, lambona, tudo devora com prazer. O marido tem evidente orgulho no corpo da mulher. Desconfio que é um desses maravilhosos tarados que só sentem tesão chafurdando nas nalgas e nos refegos das mulheres gordas. Não consigo tirar os olhos de tão estranha parelha.