2010/10/16

Domingo

Está acostumada às noites de domingo. Já nada lhe custa nas noites de domingo. As noites de domingo são previsíveis como os almoços de feijoada ao sábado. Desenrolam-se sempre da mesma maneira, nunca trazem surpresas ou sobressaltos. Só lhe custa, nas noites de domingo, certa falta de asseio. Não é que o marido não seja um homem limpo. Pelo contrário, os cuidados de higiene fazem parte da disciplina que julga essencial para se viver com decência. O marido exerce as rotinas com método e precisão. Toma sempre banho depois do pequeno-almoço. Escova os dentes durante um minuto. Muda de meias, cuecas e camisa todos os dias. Apara frequentemente os pêlos das narinas e das orelhas com uma tesourinha retorcida que guarda num estojo de couro. Vai ao barbeiro uma vez por mês cortar o cabelo. Usa a piaçaba para limpar a sanita. Nunca se esquece de puxar o autoclismo. Corta as unhas das mãos e dos pés com regularidade sem as deixar espalhadas pelo chão do quarto. Odete sabe que teve sorte com o companheiro que a vida escolheu para si. É trabalhador, cumpridor, reservado, bom pai, bom marido, muito poupado, trata da declaração anual de rendimentos e oferece-lhe um ramo de cravos no dia da mulher. Porém, quando, nas noites de domingo, se transforma noutro homem e exerce a sua prerrogativa conjugal, agarrando-a com brusquidão, abrindo-lhe as pernas, enterrando-se dentro dela, exigindo o que é seu por direito, traz entranhados no corpo os cheiros que se acumularam ao longo do dia: fezes, suor, urina, a aguardente que bebe depois do jantar, o tabaco que fuma enquanto vê o domingo desportivo, às vezes, até o cheiro gorduroso do peixe frito que comeu ao jantar. É essa mistura de cheiros, individualmente suportáveis, que a deixa um pouco nauseada. O marido, é assim que pensa Odete, podia fazer um esforço para a agradar. Tudo seria diferente se, nas noites de domingo, antes de vir ter com ela, se lavasse no bidé e passasse uma esponja por baixo dos braços. Não lhe custava nada. Perdia um minuto. Se fosse um homem romântico, podia até borrifar-se com um bocadinho da água-de-colónia que os filhos lhe ofereceram pelo aniversário.

Mas pior do que os cheiros que o marido traz no corpo são os líquidos que segrega e, no momento oportuno, liberta. Por mais que lhe recomende atenção, já lá vão tantos anos, precipita-se muitas vezes a soltar o pénis da sua vagina. O marido, nos breves momentos que se seguem ao orgasmo, antes de vestir de novo o seu corpo, a sua vida, a respeitabilidade e o bom senso, viaja até um mundo de desnorte e indisciplina. Ainda atordoado, zonzo de prazer, os olhos revirando em espirais frenéticas, parece não a escutar. Apesar dos gritos aflitos de Odete – Cuidado, filho! Olha que sujas os lençóis!- , respinga muitas vezes gotas leitosas de esperma para cima da roupa da cama. Quando isso acontece, e acontece muitas vezes, Odete pega num toalhete perfumado, tem-nos sempre à mão numa caixinha de plástica em cima da mesa-de-cabeceira, e esfrega o exacto local que o marido sujou.