Trago ao pescoço um lenço de lã preto, velho,
que herdei da minha avó Felicidade. É um dos lenços que ela costumava usar na
cabeça. Aconchega-me o peito, esconde o decote. Gosto de o levar ao nariz e
procurar, em vão, resquícios mornos do cheiro dela. Toco no lenço e lembro que,
durante a adolescência, tive vergonha da minha avó, do seu ar provinciano, do
seu lenço de luto, sobretudo, das suas mãos. Mãos de bruxa, mãos em garra,
nodosas, ásperas, mãos de terra, de tanto e tanto que passou. Saber-me assim, ainda
que num passado distante, é coisa que dói. Queria, na altura, uma avó da
Avenida de Roma, igual às das minhas amigas, com cabelos armados pintados de
azul e cãezinhos de companhia no regaço. Não queria aquela. Que nunca lera um
livro. Nem uma revista. Que não sabia sequer escrever o seu nome. Hoje, não sei
porquê, veio-me uma saudade grande dela. Da avó que cantava canções que falavam
da lua, das giestas da serra, do alandroal. Da avó que contava histórias de
bandidos e animais fabulosos. Da avó que sabia jogar ao jangro, fazer flautas
de caninhas, chifres de lenços e bonecas de pano, esguias, muito feias e
imperfeitas.