Ando a ler sem grande entusiasmo
um livro do Charles Bukowski. É uma sucessão de fodas, bebedeiras e alucinações.
Não há mais nada. A temática interessa-me: as bebedeiras porque quem me conhece
sabe que não sou alcoólica porque calhou não o ser (tenho tudo para ser alcoólica),
o sexo porque enfim é um assunto que preciso resolver (recuso entregar-me à
desistência), as drogas porque representam a miséria e a indigência (sempre
gostei de indigentes, assim como há quem goste de cães e gatos). Mas tudo o que
é demais enjoa. Por vezes, no entanto, o tal Bukowski tem assim uns repentes de
clarividência, não diz nada de novo, são quase banalidades o que escreve, mas
sabe-me bem lê-las, às banalidades, no meio de tanto broche, tanta cona e tanto
caralho entesado. Hoje, no refeitório, ao lado da Rosa das olheiras fundas e do
João das sopas, li assim: “Mercedes virou o rosto para mim. Beijei-a. Beijar é
muito mais íntimo do que foder. É por isso que nunca gostei que as minhas
namoradas beijassem outros homens. Preferia que fodessem com eles.” Não é nada
de especial. É claro que beijar é mais íntimo do que foder. Mas
li e soube-me bem ler, ali, no refeitório, ao lado do grupo do informáticos do
quinto piso. Até me esqueci do desgosto fundo que tenho sentido desde que
descobri que o rapaz das arcadas já não trabalha no meu edifício. Não sei como
vou aguentar tamanha solidão no meu gabinete de azulejos verde água.