Solipsista.
Nossa Senhora do Carmo. Ombros nus. Vestido branco. Alinhavos vermelhos. A
velha má da mantilha preta. Fantasmagoria. Malaquias imolando o filho. O cutelo
ao alto. Luz coada pelos vitrais. Noventa anjos. A pele das mãos rebentada.
Tomo conta de ti e dos teus filhos. Rosto tortulhado. Cabeças de pus esverdeado.
Pontos negros. Carnes secas. Unhas roídas até ao sabugo. O cheiro das flores de
figueira. Duas figueiras em Xabregas, outra numa esquina da cidade, crescendo
num canteiro de fetos velhos. Um cipreste de gálbulos languinhosos. Uma mosca
vareja. Uma porta de fitas. Amostras de cremes firmantes, clareantes,
hidratantes. Farmacopeia variada. Duas manchas de pano. Uma sombra picada de
bexigas. É um poeta muito, muito, muito bom. A sério? A sério. A palavra grunho
impressa. O sexo dos textos. O tempo das mulheres. Um livro na Rua de São
Domingos de Benfica. Uma cama na Rua Passos Manuel. As mãos do homem no corpo da mulher. Tomo conta de ti e
dos teus filhos. Uma tosse cheia de gosma. Um arfar pesado. Uma pinça
arrancando pêlos negros do buço. Sarro atrás da torneira do lavatório. Outros
sarros. Duas irmãs descalças apanhando bolotas para matar a fome. Mãe. Tia. O
vento morno. O sino marcando o início da tarde. Uma mulher deitada no meio da
rua mais feia da cidade. Mãos entrelaçadas. Olhos fechados. Palavras novas e
advérbios interrogativos. Porque chorava? Porque o tratava mal? Por que chorava? Por que o tratava mal? A certeza da
ignorância. Duas sardinheiras no canteiro da escola de yoga.
(livre associação.)
(livre associação.)
(Almeida
Garrett, Viagens na Minha Terra: “Joaninha,
Joaninha, porque tens tu os olhos verdes?; Eça de Queirós, Os Maias: “Porque não tens tu voltado aos Gouvarinhos?)