Faltam dez minutos para a aula de natação terminar. No tanque mais pequeno, o Joaquim coloca as pernas sobre o rebordo e, com um impulso, tenta dar uma cambalhota. Mal termina o exercício, procura-me com o olhar. Faço-lhe um leve aceno com a mão, como que a dizer-lhe "Estou aqui, sou a tua mãe e vi a cambalhota que acabaste de fazer". Gaivotas e peixinhos de esferovite, presos por um cordel, pairam sobre a água. Volto a ler. Procure as razões que o levam a escrever; verifique se elas lançam raízes nas profundezas do seu coração, pergunte e responda a si mesmo se morreria caso o impedissem de escrever. E acima de tudo: pergunte a si mesmo no mais silencioso da noite: tenho de escrever? As cartas que Rilke escreveu a Kappus fazem-me sonhar. Sentada nas bancadas, embalada pelo ronco permanente do sistema de ventilação da piscina, convenço-me de que, com paciência, muito trabalho, um dia escreverei um bom livro. Imagino-me com obra publicada, lida, admirada. Imagino-me finalmente liberta do vazio da vida quotidiana. Essa possibilidade deixa-me de tal forma embriagada de alegria que demoro algum tempo a reparar que Pedro, encostado às grades de protecção da bancada, continua a olhar para mim. Conheço-o do recreio da escola: miúdo feio, de olhos papudos, carapinha sempre despenteada, corpo atarracado a fazer lembrar um texugo furioso. Olha-me de viés, desconfiado. Talvez se tenha apercebido da minha exaltação interior. Sinto vergonha dos meus pensamentos delirantes. Levo a mão ao coração invertido de filigrana que uso sempre ao pescoço. Como um exorcista mostrando a cruz a uma alma possuída, aponto o coração de filigrana a Pedro.