O Miguel vem a Lisboa na próxima semana. Mandou-me um mail a dizer que gostava de almoçar comigo. Não ando com cabeça para almoços, mas estou disponível para encontrar-me com ele, ao final do dia, num hotel ou numa pensão limpinha. Não me deito com um homem há muito tempo. E preciso. Avisei-o que, se aceitar o meu convite, terá de ser ele a pagar o quarto. Nos últimos meses, por causa dos manuais escolares, dos aniversários dos rapazes, das múltiplas inscrições em actividades extra-curriculares, das vacinas para o gato, do arranjo do carro, tenho pouco dinheiro. O meu amigo ainda não me respondeu, mas eu já fui adiantando serviço: tirei o buço, os pêlos das pernas, das axilas e das virilhas. Os meus ombros estão dourados do sol. Decidi que, se nos encontramos, usarei as cuecas de renda preta que comprei para ir a um festival literário. Imaginava que, à semelhança do que acontece lá fora, os festivais literários portugueses eram locais de animado convívio. A Mila chegou a dizer-me que alguns, mais a norte, eram mesmo uma pouca-vergonha de fornicação e bebedeiras. Acreditei no que a minha querida amiga me disse e, ingénua, fui na expectativa, não só de escutar poetas, escritores, editores, jornalistas da especialidade, mas também de, a um ou outro, mostrar as minhas cuecas de renda preta. Ouvi intervenções interessantes, passei a admirar ainda mais certos escritores (e a detestar ao ponto da náusea e da regurgitação outros), conheci homens inteligentes, amáveis, sedutores, mas sexo que é bom e faz tão bem à saúde nem vê-lo. A desilusão que apanhei foi de tal ordem que, na volta, meti as cuecas de renda preta no fundo da gaveta e jurei não voltar a um festival literário. Nunca mais voltei a usá-las. Na próxima semana, se deus-nosso-senhor quiser, volto a dar-lhes uso. Quando me despir para o Miguel, quando desapertar lentamente os botões das calças, as cuecas de renda preta cumprirão finalmente o seu destino: serão mostradas a um escritor.