Acordo. Abro os olhos. Na mesa de cabeceira, dois livros, um deles nunca o lerei, uma revista, um copo de água vazio, o caroço do damasco farinhento que comi antes de adormecer, a minha aliança pousada em cima do despertador. Olho para o despertador. Marca sete horas. Na verdade, ainda não são sete horas. Adianto sempre o relógio um quarto de hora. São seis horas e quarenta e cinco minutos. Fico deitada na cama, naquela dormência própria do despertar, a olhar para o relógio. Deixo-me ficar até que passem quinze minutos, até que o relógio marque sete horas e quinze minutos. Esses minutos, que marcam a diferença entre a hora que realmente é e aquela que o despertador me mostra, alongam-se, esticam-se, prolongam-se, demoram muito tempo a passar. É como se dentro de cada minuto houvesse mais segundos, não sessenta, mas cem, duzentos, trezentos, segundos dentro de cada minuto. Todos os dias este ritual se repete. Fico parada a olhar para os números, direitos, levemente inclinados para a direita, feitos de tracinhos verdes, à espera que passem: um, dois, três, quatro, cinco, seis, sete, oito, nove, dez, onze, doze, treze, catorze, quinze. É um jogo, um jogo pateta, que gosto de jogar. Quando o despertador me mostra o número quinze, levanto-me. Sento-me na cama. Olho para o espelho; vejo os meus olhos inchados, a pele do rosto gordurosa, o cabelo despenteado, num desalinho. Assustadora, sinto-me assustadora. Sou especialmente feia quando acordo, o meu nariz parece maior quando desperto. Não gosto da imagem que o espelho me devolve. Levanto-me. Há um silêncio absoluto nesta casa. É o silêncio dos espaços amplos e vazios, das manhãs claras, dos sons calados, das fotografias antigas, amarelecidas, esquecidas dentro de gavetas de madeira carunchosa, com cheiro de cera e óleo de cedro. Apenas se houve, no rádio, baixinho, a voz da locutora da TSF.