Durante o julgamento a Maria Odete chorou sempre. Os juízes a inquirirem as testemunhas e ela a fungar, a soluçar, a soltar gemidos prolongados que pareciam guinchos de ratos. Nas alegações finais, enquanto um dos advogados falava, começou a bater com as mãos no peito. Um despropósito, um exagero, parecia uma mulher cigana, não a esposa de um general. O juiz interrompeu a audiência e mandou-a sair. Ela olhou-o ofendida. Sr. Doutor, eu saio, mas não calo o amor que tenho ao meu marido!, disse ela. Mais valia estar calada. Nunca foi uma mulher muito inteligente. Ainda hoje me pergunto como consegui tirar o curso de enfermagem. Quando a conheci vivia num lar de freiras, na Rua da Sociedade Farmacêutica.
Eu ia buscá-la aos domingos para a matiné do cinema Condes. Nesses dias vestia sempre a farda e a Maria Odete usava um vestido rodado, de um verde profundo. Era um verde-musgo que me fazia lembrar os bosques de castanheiros da índia que ficavam por trás da casa dos meus pais. Com aquele vestido a Maria Odete ficava quase, quase, bonita. Tenho saudades dessas tardes mansas de cinema no Condes. Na audiência, quando o procurador a chamou a depor, ela jurou a pés juntos que não sabia de nada. Vinte anos a viver comigo e que não sabia nada, insistiu ela. Fez-se um silêncio na sala de audiências. Um silêncio de túmulo, prolongado que parecia não ter fim. Ninguém acreditou nela. O Procurador, como um cão esfaimado, raivoso, começou a questionar a Maria Odete e a pobre, encolhida, a responder-lhe, senhor doutor isto, senhor doutor aquilo, a desvendar-lhe a nossa intimidade, a explicar-lhe que eu não admitia poucas vergonhas lá em casa, que era um homem de respeito, muito conservador, um verdadeiro militar. Cada um tinha a sua casa de banho e à noite a casa mergulhava na mais completa escuridão. Toda a gente pensou que ela estava a mentir. Mas a Maria Odete não é capaz de mentir. A mentira exige inteligência e habilidade e ela é burra, burra que nem uma porta. Coitada. É uma boa mulher, a Maria Odete, limpa, boa cozinheira e muito obediente na cama. Por isso a escolhi. No dia da leitura da sentença, ficou sentada mesmo atrás de mim. Trazia um vestido verde-musgo. Eu lembrei-me outra vez dos bosques de castanheiros da índia que ficavam atrás da casa dos meus pais.
(O Público lembra hoje a extraordinária história da generala Teresinha ou do general Tito. Não sei como lhe chamar. Morreu na miséria e só numa casa forrada com placas de zinco.)
Eu ia buscá-la aos domingos para a matiné do cinema Condes. Nesses dias vestia sempre a farda e a Maria Odete usava um vestido rodado, de um verde profundo. Era um verde-musgo que me fazia lembrar os bosques de castanheiros da índia que ficavam por trás da casa dos meus pais. Com aquele vestido a Maria Odete ficava quase, quase, bonita. Tenho saudades dessas tardes mansas de cinema no Condes. Na audiência, quando o procurador a chamou a depor, ela jurou a pés juntos que não sabia de nada. Vinte anos a viver comigo e que não sabia nada, insistiu ela. Fez-se um silêncio na sala de audiências. Um silêncio de túmulo, prolongado que parecia não ter fim. Ninguém acreditou nela. O Procurador, como um cão esfaimado, raivoso, começou a questionar a Maria Odete e a pobre, encolhida, a responder-lhe, senhor doutor isto, senhor doutor aquilo, a desvendar-lhe a nossa intimidade, a explicar-lhe que eu não admitia poucas vergonhas lá em casa, que era um homem de respeito, muito conservador, um verdadeiro militar. Cada um tinha a sua casa de banho e à noite a casa mergulhava na mais completa escuridão. Toda a gente pensou que ela estava a mentir. Mas a Maria Odete não é capaz de mentir. A mentira exige inteligência e habilidade e ela é burra, burra que nem uma porta. Coitada. É uma boa mulher, a Maria Odete, limpa, boa cozinheira e muito obediente na cama. Por isso a escolhi. No dia da leitura da sentença, ficou sentada mesmo atrás de mim. Trazia um vestido verde-musgo. Eu lembrei-me outra vez dos bosques de castanheiros da índia que ficavam atrás da casa dos meus pais.
(O Público lembra hoje a extraordinária história da generala Teresinha ou do general Tito. Não sei como lhe chamar. Morreu na miséria e só numa casa forrada com placas de zinco.)