2007/07/26

Pensão Imperial (2)

Não é fácil encontrar uma mulher cujo rosto não lembramos. Mesmo que seja a mulher que amamos. Adriano procurava Amélia. Sentia que era capaz de a encontrar pelo cheiro. Um cheiro estranho, bom, mas de coisas desconhecidas. Cheiro de chuva, talvez. A caminho da pensão imperial, no metro, nos cafés, nas ruas, andava sempre com o nariz no ar. Farejava como um cão de caça. Aqui e ali. Só lhe chegavam outros cheiros. Perfumes enjoativos. Gotas de suor cobrindo corpos cansados. O cheiro a ranço que, logo pela manhã, escapava do quarto da D. Alzirinha e se espalhava por toda a pensão, até pela praça. Nada nem ninguém cheirava a chuva. Teria Amélia perdido o seu cheiro? Nesse caso, pensava Adriano, nada mais lhe restaria para a encontrar. Lembrava-se da sua roupa. Dos acessórios que usava. De tudo o que é efémero e se confunde. Não se lembrava porém nem das mãos nem do rosto de Amélia. Tentava e não conseguia. À noite, antes de adormecer, fechava os olhos. Fixava-se num pormenor. Na boca. Ou nos olhos. A partir daí tentava construir-lhe um rosto. Raramente o conseguia fazer.