Esta noite sonhei com o Uganda. Sonho já esboroado e distante. Na clareira de uma floresta, duas meninas correm. Devem ter dez ou doze anos. Vestem uma espécie de uniforme. Camisas brancas, desfraldadas, e saias azuis, pregueadas. Têm o cabelo entrançado. São bonitas e felizes como todas as meninas que conheço. Ouvem-se cigarras, outros barulhos de Verão. As meninas correm em liberdade. Oiço o eco das suas gargalhadas pequenas. De repente, a expressão dos seus rostos altera-se. O pânico e o medo tomam conta dos seus corpos. Fogem do que não se vislumbra. Fogem de sombras que se escondem entre as árvores que limitam a clareira. Sombras que têm a forma de homens velhos e gangrenados.
(Como explico este sonho? A Dra. D., em cujo divã nunca me deitei, com certeza, teria para ele uma interpretação de cariz sexual. O meu medo do sexo. Eu sou uma das meninas. As sombras que espreitam atrás das árvores representam o meu pai. Eu tenho medo do sexo porque no fundo, bem lá no fundo, tenho medo dos homens, os quais, de uma forma ou doutra, associo sempre à figura paterna. Sei lá. A semana passada, num final de tarde, entre um scone e uma meia de leite, li uma reportagem num suplemento de domingo que encontrei esquecido numa mesa de café. Falava das bolsas de castidade que o governo do Uganda atribui às meninas que recusam ser escravas sexuais e optam por se manter virgens até ao casamento. Acho que sonhei com as meninas do Uganda porque a miséria dos outros me conforta sempre. Dá-me a precisa dimensão da pequenez dos meus padecimentos. Mas esta explicação, simples e assexuada, a Dra. D. não aceitaria.)