2007/11/07

Casa

Este blog é uma casa. Está tão desprovido de mim que consigo ouvir o eco das palavras que escrevo. As palavras que liberto ficam a ecoar, penduradas no vazio branco destas paredes. Aqui posso reescrever-me com frases curtas. Posso construir-me com outros gestos, outros significados. Fazer de mim uma sopa de letras, uma miscelânea de ideias. Posso reinventar-me, iludir-me também, fantasiar-me com plumas e berloques, usar sapatos de agulha, os saltos, altos e finos, a prenderem-se nas pedras irregulares da calçada. Posso sombrear as pálpebras com poeiras douradas, de reflexos violetas, azuis, cinzentos, pintar os lábios de carmim. Também posso usar o cabelo entrançado, preso nas pontas com fitas de veludo amarelo-torrado. Em alternativa, posso fazer um carrapicho, modelar uma espiral grossa e sustentá-la com travessas de tartaruga, ganchos, arames finos, pretos, quase invisíveis na negritude do meu cabelo. Posso ainda usar o cabelo em bandós e desenhar traços, sulcos, manchas no meu rosto. Envelhecer. Posso pintar as unhas das mãos de vermelho escuro. Ou de cor-de-rosa choque. Ou de lilás. Posso usar um vestido de alças finas, debruado de cetim azul, justo ao corpo, estampado de pássaros falantes: catatuas, milhafres, corvos, pousados nos galhos de uma árvore esguia, nua, despida. Uma balbúrdia de vozes e grasnares sobre mim. Ou então posso usar uma saia rodada, muito rodada, com uma orla bordada a fio de ouro e lãs amarelas, vermelhas, verdes. Os fios a desenharem no rodado da saia junquilhos, frésias, cardos, papoilas, aqui e ali, o verde vivo de uma folha de bananeira. Um tumulto de cheiros e cores sobre mim. Aqui posso travestir-me. Aqui posso ser o que não sou, ser um pastiche de alguém ou de mim própria.
(estou fartinha desta casa.)