2007/11/03

Sansão (3)

Sento-me na cadeira. A menina que lava as cabeças coloca-me um resguardo preto gigante e, por cima, uma toalha cor-de-salmão. Lava-me a cabeça. Com as pontas dos dedos, executa movimentos circulares. Sinto-me nua, exposta, assim, sentada, de cabeça inclinada para trás, com uma mulher jovem a massajar-me a nuca. Há qualquer coisa de perverso, de libidinoso, neste gesto. Não sei. Não me incomoda escancarar-me numa consulta de ginecologia. Abrir as pernas, sentir uma dedeira em latex, gelada, hirta, a percorrer-me por dentro. É um gesto asséptico e inócuo. Já a lavagem do cabelo sugere-me pensamentos impudicos e secretos. Quando termina a tarefa, a menina que lava as cabeças enrola o turco. Mal me sento, tiro a toalha e começo a secar o cabelo. Volto a olhar-me no espelho. Molhado, o cabelo torna-se ainda mais comprido. Pela primeira vez, consigo fazer uma trança, uma trança grossa, como se fosse a crina de um cavalo. Sempre gostei de penteados ultrapassados, fora de moda, que ninguém usa, a não ser as velhas e as inadequadas. Gosto de tranças e de carrapitos, espirais de cabelo cheias de ganchos e elásticos, uma redezinha transparente por cima.