Conheci-o há muito tempo. Indiano, amigo do meu pai, viveu em Adis Abeba muitos anos. Trabalhava nas Nações Unidas. Durante anos, ele e a mulher, com a ajuda preciosa do meu pai, arrastaram-se pelos corredores soturnos dos registos, para adquirirem a nacionalidade portuguesa. Não que gostassem particularmente de Portugal. Queriam sobretudo ser cidadãos europeus para viver a velhice num subúrbio de Londres. Numa vivenda geminada de tijolos vermelhos, com um jardim onde pudessem plantar legumes. Conseguiram. Ontem revi-o. Titubeante e frágil como um passarinho, amável, sentado numa poltrona de orelhas, quis saber as novidades. Onde vivia, onde trabalhava, quantos filhos tenho, que escola frequentam, o que faz o meu marido, quantos quartos tem a minha casa. A tudo respondi com prontidão. Depois trocámos impressões sobre as nossas cidades. Foi, então, que ele disse que Londres se tornara numa cidade intolerável. Não só por causa dos polacos, afegãos, paquistaneses, mas sobretudo, e fez um esgar de nojo, por causa dos imigrantes africanos. Donde vem aquela gente? E tanta?, perguntou-me com sincera inquietação. Contei até dez e despedi-me com um sorriso amarelo. Uma mulher grávida não se pode enervar. Meu rico filho que ainda nascia prematuro por causa da tolice serôdia de um indiano-etíope-inglês-português (pertencemos a tantos lugares) que não gosta de imigrantes africanos.