2009/07/10

Ombro

Toquei no ombro do professor de ginástica acrobática da minha filha. De raspão, ao cumprimentá-lo, não sei como foi, os meus olhos estavam postos na espargata lateral de uma menina muito morena e, por descuido talvez, o meu corpo aproximou-se mais do que o esperado, a minha mão pousou inadvertidamente no seu ombro. Notei-lhe a rigidez do corpo e estremeci. Nunca tal me tinha acontecido. Parecia feito de mármore, mas de um mármore vivo, o corpo delineado a escopo e cinzel, burilado por um escultor renascentista qualquer, nas proporções exactas, sem mácula, ou falhas, um autêntico discobulus moderno. Tem vinte anos, é simpático e estuda medicina. Há dias, encontrei-o, pelo crepúsculo, numa esplanada perto de casa. O sol morria sobre a linha do rio, que ali é tão próximo, e ele lia um romance do Murakami. Achei a leitura apropriada à sua idade. Cumprimentei-o e lembrei-me do seu ombro. Podia ser meu filho. Fiz as contas e podia. Trinta e sete menos vinte dá dezassete. Aos dezassete, o meu corpo estava, há muito, maduro, capaz de inchar como um balão de feira. Cada vez que o vejo tento esquecer o seu ombro e convencer-me de que é o filho que gostaria de ter. Ainda bem que o Renato Manuel só lê blogues sobre o Benfica.