2010/05/05

Unhas

A Dulce da contabilidade almoça sempre com o marido no refeitório. Leva-lhe o tabuleiro, tempera-lhe a salada, arranja-lhe o peixe. Ele fala de futebol e de automóveis e só tira as mãos dos bolsos quando tem a paparoca prontinha à sua frente. Chama-se Adão e é chefe do economato. Pela postura, inchada e insuportável, percebe-se que se tem em grande consideração. Julga-se merecedor de certos privilégios e de tantas mesuras. Gerir resmas de papel e contar tinteiros para as impressoras, mais do que o reconhecimento das chefias, confere-lhe estatuto conjugal. Ele é o chefe do economato e do lar. Há que preservar a superioridade do macho e a resignação da fêmea. Estou mesmo a ver a Dulce, ao serão, em frente do televisor, enfiada num roupão fresco de terilene, a cortar-lhe as unhas dos pés. Ele, de cavas, esparramado no sofá de napa, aos gritos cada vez que a pobre lhe corta um espigão. Há mulheres que mereciam ser açoitadas até à morte.