2011/09/28

Beleza

A tia Dé odeia a Joana Amaral Dias. Quando a vê, empertigada, decotes generosos, camisolas justas, disfarçadamente penteada e maquilhada, cerra os punhos em direcção ao televisor e põe-se a rosnar baixinho, a arremedá-la, o desprezo é tanto que lhe toma conta do corpo, ganha uma cor estranha, entre o vermelho e o cinzento, e, por vezes, faz-lhe chocalhar a dentadura. Anda esta mulher a defender os trabalhadores! Tira essa tipa daí! e arranca-me o comando das mãos para mudar de canal. A tia Dé é uma comunista transviada, andou perdida de amores pelo Sócrates, mas já se arrependeu. Acha que a beleza é um atributo burguês, desnecessário, predicado ardiloso, dispensável, a moda é fascizante e os artifícios da maquilhagem não se compadecem com a luta das mulheres operárias. Nunca usou rímel, saltos altos, batons de cores vivas, verniz, raramente vai ao cabeleireiro. Em seu entender, as mulheres bonitas, sobretudo, as de esquerda, deviam mascara-se de feias. Não tenho dúvidas de que a tia Dé, se a escutasse, no geral, concordaria com os comentários da Joana Amaral Dias. Na verdade, a única coisa que amofina a minha tia é a beleza da outra, sobretudo, o descaramento de a mostrar e fazer uso dela. Curiosamente, é a única coisa que eu aprecio na Joana Amaral Dias.