Foi assim durante muito tempo. Muitos anos. O meu despertar era
sempre igual. Acordava triste e desesperada. Procurava o corpo na penumbra do
quarto, desejando não o encontrar. Talvez alguém, durante o sono,
compadecendo-se da minha dor, o tivesse levado para longe. Quando o encontrava,
ao meu corpo, adormecido a um canto qualquer, pontapeava-o com violência para
que se erguesse. Como se fosse um vagabundo que se despreza. Erguia-se o meu
corpo, tão estiolado, tão frágil, entrava dentro dele e corria à cozinha a
arranjar os pequenos-almoços dos meus filhos. Habituei-me à tristeza, é como a
solidão, fere, mas deixa em nós qualquer coisa, bela e única, que não se sabe
explicar. Quem não tem dentro de si
alguma tristeza e solidão não é gente. É personagem de anúncio de cerveja ou de
telemóveis. Nunca me habituei, no entanto, ao desespero, ao choro louco, ao
conforto das imagens sombrias, um parapeito para saltar, um rio de água
barrenta, os bolsos cheios de pedras, os pulsos cortados com uma lâmina,
lágrimas de sangue empapando a alcatifa cor de laranja do escritório do meu
pai, sessenta comprimidos letais tomados ao pequeno-almoço como no poema. Hoje, voltei a acordar triste. Não me
importo que a tristeza volte. É uma amiga para a vida. Se vier só, abro-lhe a
porta, deixo-a instalar-se dentro de mim. É o desespero que me assusta.