Devia ter
pouco mais de dez anos quando lhe ofereceram um livro ilustrado de fábulas.
Aninhas, muito morena, cabelo curto, unhas roídas, um anelzinho de prata no
dedo indicador, passava horas a lê-lo. Lia e relia. Tomava atenção aos
detalhes dos desenhos. Sentia a rugosidade das folhas e cheirava-as. A sua vida
ficou para sempre marcada pela moral intuitiva desses bichos: leões, cigarras,
formigas, burros, cavalos, lobos, cegonhas, grous e ovelhas. Por exemplo,
sempre que um homem a abandonava, Aninhas procurava ter a astúcia da raposa
que, olhando um cacho de uvas cheias e maduras, por as não poder alcançar, diz
que estão demasiado verdes. Nem sempre a técnica resultava. Largada há pouco
tempo por um professor de semiótica, Aninhas tentava fixar-se apenas nos
seus defeitos: a desadequação entre a careca e o brinco que usava no lóbulo
esquerdo, a pança flácida tocando o seu corpo, a facilidade com que as outras
mulheres lhe mereciam o superlativo absoluto sintético. Inteligentíssimas.
Lindíssimas. Interessantíssimas. Fecundíssimas. Porém, mal acordava, rosto
inchado de sono, as pálpebras coladas de ramelas, Aninhas lembrava apenas
aquilo que desejava esquecer: as caixinhas de broas que o professor lhe
trouxera pelo natal, o seu cheiro a rios de água gelada, o modo como certa vez,
na entrada de um prédio, lhe abocanhara os mamilos, mordendo-os, o retalhe do
seu corpo imenso na paragem de autocarro.