“Mete aí uma pinguinha, filha!”, diz a tia Dé e
estende-me uma chávena de café. Geralmente não se senta à mesa, se o faz,
por ser almoço de domingo ou dia de festa, fica sentada à pontinha da cadeira,
o corpo sempre tenso. Nunca tira o avental, raramente usa pratos ou copos.
Debica em pires e chávenas de café. “Que raio de prazer podes ter em beber
vinho numa chávena de café?”, pergunto-lhe. Ela não explica, não diz nada,
limita-se a passar as mãos pelo cabelo completamente branco. Encolhe os ombros
e começa a beber. Os seus olhos dizem sempre o mesmo: sou uma sombra, morri há
muitos anos, num tempo tão antigo que parece de outra vida, sou um passarinho
morto, tenho um coração solitário e palpitante, não sou mãe, não sou avó, não
fui mulher, não deixo ruído, as minhas pantufas mal se ouvem. Sempre foi assim.
Hei-de desaparecer sem que nenhum de vocês se dê conta.