2014/04/29

Rua dos Fanqueiros

 Salão da Academia Recreio Artístico, ali na Rua dos Fanqueiros, onde geralmente anoitece mais cedo. Os tectos do salão, de estuque trabalhado, estão pintados de amarelo clarinho, o soalho de madeira range, mas a música silencia esse ruído. O ar abafado dá uma febril sufocação aos corpos dos bailarinos. Na parede central, o retrato de um tal António Pedro. De expressão mansa e bigodes retorcidos, parece vigiar a aula de dança. Duas mulheres dançam ao som dos tangos do Carlos Gardel. São um par. Dois corpos cingidos em assumido êxtase sensual. E o dimorfismo que se lixe. Dançam com paixão e entrega. Os seus passos são seguros, marcam bem o ritmo, mostram domínio, técnica, mas também uma excessiva aceleração que merece a atenção da professora. “Lento, mais lento”, vai-lhes dizendo num português cheio de variações. A mulher mais nova é bela e dança de olhos fechados. Deixa-se levar pela companheira. Os seus cabelos compridos, que balançam de lá para cá, suscitam-me pensamentos vagos de felicidade.