Desliguei-lhe o telefone (dormia à uma da tarde enquanto os mais novos esperavam pelo almoço) e murmurei entredentes: “ É igualzinho ao pai. Não se pode contar com ele para nada.” Pus creme nas mãos e, durante algum tempo, enquanto as amaciava, olhei a fotografia que está em cima da minha secretária –foi tirada pouco antes dele partir o dente da frente na piscina; sorri, abraçado à irmã que veste a canadiana vermelha e usa os brincos das libelinhas. Saí para a consulta de psiquiatria e, no caminho, já mais calma, apercebi-me de que não tinha, não tenho, qualquer autoridade para censurar o meu filho mais velho. Como posso recriminar o João? Durante as férias, sábados e domingos, durmo sempre até tarde. Deixo muitas vezes a Madalena a tomar conta do Joaquim que, sensata, responsável, lhe dá o pequeno- almoço e o obriga a lavar os dentes. Eu fico na cama, meio acordada, meio adormecida, num mundo paralelo, insólito, ao mesmo tempo próximo e distante. “É dos comprimidos que tomo para dormir”, justifico-me aos miúdos para não parecer mal, intimamente sabendo que os comprimidos já não fazem qualquer efeito, servem apenas para esconder a minha vontade de adiar um pouco o momento em que terei de voltar a ser mãe e cuidar deles. Fico a preguiçar na cama. Às vezes, imagino-me com os homens com quem me deitei, às vezes, toco-me, às vezes, venho-me. Já a chegar ao consultório, pouco antes do Areeiro, senti-me a pior mãe do mundo. Má por, languescente, passar as manhãs na cama. Má por ter desligado o telefone ao João. Telefonei-lhe a pedir desculpa. “Desculpa filho”, disse-lhe e a voz dele logo se animou.