2007/04/02

Caimão

Tanta competência no mundo. Tão pouca em mim. A secretária, de uma diligência absurda, não se cansa de falar ao telefone com tribunais, advogados, utentes. Às vezes, confesso, gostava que o seu coração parasse. Tantas ameaças, tantas operações e nada. Só para a assustar. É cedo e já estou cansada. Volto a sentir-me uma fêmea de caimão. Saio daqui vagarosamente. Arrasto o meu corpo baço e áspero. As minhas patas movimentam-se num langor pesado. A lentidão toma conta de mim. Os meus olhos quietos, raiados de amarelo, parecem berlindes de criança. Só a cauda quebra o silêncio. Bate na água, com movimentos circulares, quando mergulho num rio de águas turvas.