A fêmea de caimão emergiu das águas. Percorreu o areal estreito da margem, embrenhou-se nas raízes aéreas do mangue. Andou durante muito tempo. Por fim, alcançou a cidade. Entrou numa perfumaria onde uma mulher de lábios finos escolhia um baton. Ao vê-la tão feroz, arreganhando uma boca cheia de dentes afiados, a mulher gritou com uma voz feita de estilhaços e caiu desmaiada. A fêmea de caimão sorriu enquanto contornava o corpo desmaiado. Pediu um blush. Experimentou na sua pele áspera, rugosa como um tronco velho, poalhas de mil cores. Mate. Brilhante. Bronzeado. Acabou por escolher um poudre eclat prodigieux que aplicou com um pincel de pelos macios. A fêmea de caimão saiu da perfumaria. O corpo verde. O rosto levemente rosado. Procurou sorrir à empregada que a ajudara. Parecia tremer. Da sua boca feia de mil dentes saiu um bafo quente e vermelho, um cheiro de talho, de carne retalhada. No seu passo lento deixou a cidade. Olhou a caliça suja dos prédios antigos. Olhou as pinturas rupestres, de sprays coloridos, que cobriam muros, paredes, carruagens de comboio também. Aliviada, a fêmea de caimão entrou novamente no mangue. Procurou um lugar confortável ao sol e adormeceu.