2007/04/12

Roedores

No refeitório, enquanto deslizo na cadeira, observo as bocas dos que comem. Há bocas que se abrem ao mastigar, mostrando caninos e incisivos furiosos que transformam em papa os alimentos. Outras bocas mal se mexem. São bocas rijas que interiorizaram os ditames da boa educação. Não se leva a boca ao prato, não se mastiga com a boca aberta, não se apoiam os cotovelos na mesa. Ao meu lado um homem sozinho sorri para o prato gigante de tomate, beterraba cozida e juliana de cenoura que trouxe do bufet das saladas. A gratuitidade das saladas do refeitório alegra-o. Ao final do dia, quando a mulher lhe perguntar o que almoçou, dirá que comeu feijoada de chocos e um grande prato de salada. Alertará, como todos os dias, para o facto da salada - milho, alface, tomate, rabanetes, couve roxa, couve lombarda, pepino, cebola, pimento, cenoura, tudo o que tu possas imaginar filha !- ser de graça. O homem começa a comer. A sua boca mastiga a salada com movimentos energéticos de pura satisfação. É então que vejo passar a Mafalda com a sua nova namorada. Não é nada gira. Já desconfiava pelas palavras da M. Tem corpo e feições de porquinho da Índia. Já estou a vê-la a correr por uma pradaria, enfiando-se em tocas, alarmada com o voo planado das águias e dos falcões. Consta, porém, que é muito boa rapariga. Isso é que importante. O que eu gostava de ser uma boa rapariga.