Por baixo das arcadas do edifício onde trabalho, ao longe, reconheço o perfil de uma antiga colega de liceu. Já não me recordo do seu nome. Acho que é Carla. Ela tem cara de Carla. Tem mesmo. Detesto o nome Carla. Se a minha mãe tivesse tido a infeliz ideia de me chamar Carla, eu, assim que completasse 18 anos, mudava de nome. Desculpem-me as poucas Carlas que conheço e também as muitas que não conheço, mas Carla é nome de mulher de 40 anos, com permanente no cabelo, que passeia, aos domingos, nos centros comerciais de mão dada com um marido de bigode, fio de ouro ao pescoço e fato de treino brilhante. A dita colega, a quem chamarei Carla, está com o antigo namorado. Passado tanto tempo, o dito já deve ter subido de estatuto. Agora deve ser cônjuge, marido, de papel passado e aliança no dedo. Devem ter filhos. Dois no máximo. Um Tomás e uma Carolina. Devem viver num apartamento na Bobadela, no Prior Velho u na Quinta da Piedade. A Carla é grande e gorda. Parece uma vaca leiteira. É feia. Tem um ar, como hei-de dizer, bovino-suíno. Tem mesmo. Já o marido é miudinho, pequeno, murcho, mínimo. Parece um anão imbecil ao pé dela. O cabelo muito penteado. Quando os vi lembrei-me imediatamente da insuportável Rainha de Copas e do seu soberano marido, do filme "Alice no País das Maravilhas". Vi este filme centenas de vezes, até à exaustão, quando o João era pequeno. Para além de se parecer fisicamente com a dita personagem, a Carla tinha, e deve continuar a ter, um feitio detestável. Invejosa. Era tão invejosa. Era daquelas estúpidas que tinha inveja das notas dos outros. Podia ter uma nota razoável, um 15 ou 16, mas ficava visivelmente transtornada com o facto de alguém ter melhores notas do que ela, o que, aliás, acontecia quase sempre.