2007/04/16

Leite

Um homem indiano, no bulício quente da praça, grita num linguajar que lembra inglês: "you won´t fuck her again!". Tem muitos sacos de plástico aos seus pés e fala de uma cabine telefónica. Gesticula com uma mão. Segura com a outra o bocal. "You won´t fuck her again!". O amor transforma-se em cólera. Em raiva. A raiva sai da boca do homem em forma de palavras. A raiva paira sobre a cidade. Espalha-se pela praça como se fosse leite derramado. Ferve. Transforma-se em espuma. Sobe. Transborda. Cobre a placa e os bicos do fogão. “You won´t fuck her again!” O amor transforma-se numa nata pegajosa e amarelada. A raiva do homem indiano perde-se na avenida. Toca os transeuntes amanuenses que saem dos bancos, das companhias de seguros, dos escritórios de advogados, das lojas caras, das repartições públicas, das correctoras. Lá em baixo, na praça, o homem indiano pega nos seus sacos e apanha o autocarro que vai para a Apelação.