2007/04/23

Picasso (1)

Durante o almoço de domingo, já não sei a que propósito, o meu irmão, a quem nunca conheci interesses artísticos, saiu-se a dizer que gostava da pintura do Salvador Dali. Olhei-o com surpresa. E amor, eu, que nem gosto do Dali (gosto daquele quadro do Narciso espreitando-se no lago). O meu pai não tardou. Aproveitou a deixa para dar uma gargalhada apatetada, como é seu costume, escancarar a boca cheia de dentes feios e dizer que também gostava do Dali. Não pela pintura, que não conhecia, nem lhe suscitava qualquer tipo de interesse, mas por o Dali ser um franquista assumido, ao contrário do Picasso, esse comunista nojento. Foi assim que ele disse. E espiou-me pelo canto do olho. Ainda falou do bigode do Dali e da Gala. Fingi que não o ouvi. Respondi-lhe muitas vezes, demasiadas, provocando grandes tumultos familiares por coisa nenhuma. O tempo ensinou-me que as provocações do meu pai são uma forma turbulenta de manifestar o amor que me tem. Eu gosto que ele me ame assim, com fúria e uma pontinha de admiração, que nunca admite e mascara de desprezo.