2007/10/28

Obituário

Todos os anos é a mesma coisa. Mal chega o Outono, olho para os meus vasos, despidos, tristonhos, com uma ou outra hastezinha seca, moribunda, e rumo a uma estufa, solarenga e perfumada, em Porto Alto. Carrego sempre com os meus filhos, com as minhas mães e, por vezes, também com o meu pai, que, nestas coisas de botânica, como em muitas outras, é sempre uma voz sábia. Mal me vê, embeiçada, pelos vasos de azáleas, de begónias e de hibiscos franze o sobrolho e diz-me que as mesmas não sobreviverão aos meus cuidados. Sempre vivi rodeada de vasos em casa dos meus pais. Avencas, fetos, palmeiras, fetos, antúrios, patas de cavalo. Algumas delas existem desde que me conheço. Cresceram comigo. Como a avenca que agora vive em cima da máquina de lavar roupa, na marquise da cozinha. É a companheira da Madalena, quando a minha tia, ao fim da tarde, a senta em cima do tampo da máquina, com o nariz colado à janela, à espera de me ver chegar. Quis, por isso, trazer o verde para dentro das minhas paredes. Ingenuamente, pensei que, para além do jeito para a cozinha, também tinha herdado da minha mãe a habilidade para cuidar de plantas. Enganei-me. Tudo morre às minhas mãos. Até as plantas mais resistentes, como os cactos, sucumbem, definham. No entanto, apesar do historial negro, todos os anos, por esta altura, faço a mesma viagem. Atravesso a Recta do Cabo. Olho, de soslaio, para os escombros da Estalagem do Gado Bravo. Interrogo-me com a pequena igreja, só, abandonada, amarelecida, no meio da várzea. Chego ao outro lado. Atravesso a vila. Ignoro os inúmeros armazéns pré-fabricados de bugigangas chinesas que, perfilados à beira da estrada, anunciam, em cartazes gigantes, a barateza das inutilidades que têm para me oferecer. Por fim, chego à estufa. Os meninos correm pelos corredores à procura de um vaso pequenino, com uma planta pequenina, que ficará entregue aos seus cuidados. O João escolhe um cacto, cheio de flores vermelhas. A Madalena opta por um amor-perfeito de flores quadrilongas e roxas. Eu encho um carrinho de vasos, terra, fertilizantes, flores, plantas. Este ano escolho gerânios, sardinheiras, petúnias e rainúnculos. Pobres plantas, que, lá fora, enchem de cor a minha varanda. Mal sabem o que o futuro lhes reserva.