2007/10/14

Xarope (4)

Agora, passados tantos anos, sou eu que preparo o xarope de cerveja preta e laranja para os meus filhos. Imito os gestos da minha mãe. Mal os oiço tossir, corro à despensa, à procura de uma cerveja. Depois, entretenho-me a fingir que sou uma mãe experiente, cheia de sabedoria, preparada para enfrentar, nem que seja com mezinhas e remédios caseiros, qualquer achaque dos filhos. Todavia, apesar de meu empenho, os matraquilhos pequenos, antes de o provarem, desatam aos gritos, a fugir por todas as divisões da casa, apavorados, renitentes em provar aquele remédio, de cor preta, de consistência e cheiro duvidoso. Nem sabem o que perdem. Por isso, é por culpa deles, única e exclusivamente deles, que, tal como acontecia na minha casa materna, acabo por ser eu a beber a totalidade do dito remédio. Pego na tacinha, ignoro o facto de estar sã da cabeça aos pés e bebo o precioso líquido. Todinho. Até ao fim. Glu, glu, glu. Já está.