2007/10/11

Ornitorrinco

Or-ni-to-rrin-co. A menina leu a placa sibilando a palavra com calma. Depois esmagou o nariz contra as placas de plástico transparente que delimitavam a jaula. Era um bicho estranho, aquele. Tinha um bico como os patos, uns pés que se assemelhavam a barbatanas, o corpo coberto de pelos grossos e um rabo rectangular e achatado. E, lera a menina na placa, punha ovos como qualquer ave! Um bicho que era e não era. A menina ficou a olhar, durante algum tempo, para o ornitorrinco que, parado em cima de uma pedra, parecia alheio à estranheza que provocava nos que o observavam. Sabia o bicho que não tinha o privilégio da simplicidade. Os visitantes que o olhavam sentiam-se, muitas vezes, incomodados. Ou se é pássaro. Ou se é mamífero. Ou se é peixe. Não se pode é ser um bocadinho de tudo. Nem se pode ignorar a primordial importância das classificações, das divisões em espécies, grupos, géneros, segundo características pré determinadas. A menina repetiu o nome baixinho. Ornitorrinco, ornitorrinco, ornitorrinco. Era uma palavra difícil de repetir. Dizia-a e sentia a boca encher-se de pedras. Olhou em redor e não viu nenhuma cara conhecida. Procurou os colegas. Estavam já longe. A menina correu a juntar-se ao seu grupo. A professora deu-lhe a mão e censurou-lhe o atraso com um olhar brando. Depois continuou. E aqui estão os furões, as doninhas, as lontras e os texugos e as toupeiras.

(o Menezes é parecido com um furão, o Ângelo Correia com um texugo, o Eurico de Melo é uma toupeira, velha e cega.)