2007/10/14

Xarope (2)

A minha mãe vertia o xarope para dentro de uma tacinha de vidro. Deixava-o arrefecer em cima da bancada de mármore da cozinha, entre a batedeira, a picadora, o copo misturador, o um, dois, três. Ali ficava o líquido castanho escuro, quase preto, perdido no meio da panóplia infernal dos ajudantes de cozinha da minha mãe. Os pequenos electrodomésticos domésticos são a perdição da minha mãe. É uma espécie de vício, que ela não consegue controlar. Tem tudo. Já teve tudo. Iogurteira, faca eléctrica, abridor de latas eléctrico, máquina para fazer sumos, máquina para fazer batidos, torradeiras, tostadeiras, fritadeiras, grelhadores, micro-ondas com mil e uma funções, máquinas de café. Sei lá que mais. Até de Goa ela os traz. Há dois anos, veio carregada com uma maquineta enorme que é o seu maior orgulho. Quando a trouxe, perante o nosso espanto, apressou-se a explicar. " Ó filhas, é que esta máquina não existe em Portugal. Serve para fazer as massalas". Nós desatámos às gargalhadas. Como se as massalas, essas misteriosas combinações de especiarias, de cheiros intensos e paladares surpreendentes, que ela costuma fazer, não pudessem continuar a ser feitos no copo misturador da Moulinex. A tal maquineta passou a ocupar o meio da bancada da cozinha. Destronou, assim, de uma forma injusta, a velha e cansada batedeira que, durante tantos anos, incansavelmente, a ajudou na preparação dos bolos, das tartes, das tortas, das mousses, dos gelados, das bavaroises.