2007/03/28

Giordano Bruno

Um destes dias, quando estávamos na cozinha da casa do lote 105 a lanchar, a minha mãe descuidou-se e largou um peido. Foi um daqueles peidos quase inaudíveis, que parecem um sussurro, mas que são muito mal cheirosos. Com o meu nariz grotesco fui a primeira a dar conta do nauseabundo cheiro. Imediatamente, em tom inquisitorial, comecei a acusar os presentes. Foste tu, tia? Tu pai? E tu, Susana? Madalena, não me digas que foste tu? Queria saber a identidade do giordano bruno das bufas malcheirosas para, impiedosa, o queimar nas labaredas da minha fogueira. Ninguém se acusou. Finalmente chegou a vez da minha mãe que, cirandando pela cozinha com a chaleira na mão, fingiu não me ouvir. Perguntei-lhe de novo. Pois a minha mãe, depois de uma hesitação pequena e querendo escapar-se ao escárnio familiar, acusou o meu sobrinho Pedro de três meses, o único desgraçado que, refastelado no colo materno da tia Dé, não se pôde defender de tão vil acusação. Desatámos a rir às gargalhadas com a mentirinha da minha mãe. O meu sobrinho, contagiado pelo nosso riso histérico, esboçou um sorriso tonto e baboso para a avó, consciente da sorte que é tê-la.

(Uma colega, com quem partilhei em tempos o perene entusiasmo por determinada professora, bonita, sofisticada e estudiosa dos russos do século XIX, disse-me um dia que a dita docente era a mãe que gostava de ter. Aquilo caiu-me mal. E nunca me esqueci de tal conversa. Não trocava a minha mãe por nenhuma.)