2007/03/15

Mississipi

Dois rapazes vagueiam num bote de madeira. O rio é uma prisão: Tem grades de silvas eriçadas onde crescem amoras gigantes, pretas, maduras. Os rapazes picam as mãos ao tentar apanhá-las. O bote atravessa pântanos, dedos de água, o sol espelha-se no rio, que é manso e tem a cor da ferrugem. Por fim, encontram uma ilha pequena de areia, onde três corpos repousam.

(Explicação: 1) Os dois rapazes são o Tom Sawyer e o Huckleberry Finn que revi há dias em desenhos animados. A minha filha pouco entusiasmada com as suas aventuras, eu desapontada com ela, a chorar com saudades das manhãs de sábado e de domingo, do sol a entrar pela vidraças da marquise, das minhas mães, ainda novas, de roupão vestido, limpando o pó do bibelots da estante. 2) As amoras são as que vi ontem no pingo doce. Cada embalagem de cem gramas custava 3.99 €. Contrariada, preteri-as pelas framboesas que custavam só 1,99 €. As amoras sabem-me ao Alentejo, ao pó do caminho do moinho, são quentes como o sorriso da Margarida e da Filomena, primas-irmãs, pintam-me as mãos de preto. As amoras sabem-me a tudo. As framboesas não me sabem a nada. 3) A ilha dos mortos não sei onde a fui buscar. Talvez a algum episódio do CSI. 4) Andam inteligíveis, compreensíveis, os meus sonhos. Aborrece. E tudo me dá vontade de chorar. Envelheço.)