2007/06/18

Cama (2)

Há uma outra cama que me causa o mesmo conforto. É a cama do João. É uma cama normal, sem grande encanto, de madeira clara, que herdámos de um tio que tinha uma loja de móveis em Sacavém. Não é muito bonita. Mas é a cama do meu filho. Gosto de me deitar quando, depois de cumprido os rituais nocturnos, apago as luzes do seu quarto. Gosto de o ouvir perguntar "Mamã, podemos ficar a falar?". Gosto de deslizar o meu corpo para perto do seu, encaixar-me nele, como se fossemos duas peças de um puzzle, sentir-lhe o cheiro morno do corpo, cheiro de meias de leite, de galões, cheiro de pão fresco com manteiga. Gosto de tocá-lo, de apertá-lo com força. É como se, com esse gesto, pudesse novamente torná-lo parte do meu corpo, pudesse pô-lo outra vez dentro de mim. Gosto de sentir-lhe a maciez da pele, sentir-lhe o cabelo crespo, cortado curto, apertar-lhe as mãos suadas, beijá-las. Gosto de dizer-lhe pela milésima vez "Vou contar-te um segredo, mas não o podes conta a ninguém", vê-lo sorrir com os olhos, fartinho de ouvir esta conversa. Aproximar a minha boca do seu ouvido e sussurrar-lhe "Adoro-te". Falamos do que lhe apetece. Toiradas, é assim que ele diz, mamutes, do Leonardo da Vinci e do Miguel Ângelo (mas, mãe, como é que tu sabes que ele era homossexual?!), tesouros escondidos no fundo do mar, do Mantorras. Por fim, deixo-o adormecer até lhe sentir a respiração pesada.