Tinha uma colega, leitora assídua de insignificâncias, que passava a vida a gabar-se do amor que tinha aos livros. Também se gabava das esmolas que dava aos pobres e de que um dia gostaria muito de adoptar uma criança. De preferência um pretinho. Era assim que ela dizia. Um pretinho. Como se o pretinho fosse um bibelot, um bijou, um coitadinho qualquer de quem se tem piedade e mais nada, um animal de estimação, destinado a desempenhar no seu lar suburbano o papel que os anões dos quadros do Velasquez desempenhavam nas cortes dos feios Felipes. Em relação aos livros, gabava-se, para quem a quisesse ouvir, que os tratava com delicadeza. Explicava que os forrava para não os estragar e que nunca, mas nunca, os sublinhava. Dizia estas coisas muito orgulhosa, mostrando os dentes amarelados, grandes e feios. Eu olhava para ela, um sorriso emparvecido a dançar-lhe no rosto sardento, e deixando-me inundar pela mesquinhez, característica proeminente da minha pessoa, pensava foda-se, caralho, és mesmo de Massamá.