2012/06/27

Mulher-árvore (1)


Era uma vez uma mulher que tinha as narinas muito grandes. Não eram as narinas apenas abertas e suínas, não, nada disso, eram narinas verdadeiramente grandes, autênticas divisões espaçosas, amplas, onde se escutava o eco e o silêncio que vem de seguida. Por as ter assim, tão grandes, a mulher servia-se delas como espaço de arrumos, guardando a tralha que já não queria em casa, manuais escolares antigos dos filhos, brinquedos velhos, roupa fora de moda, sapatos cambados.

Um dia, andava a passear numa ribeira, as margens cheias de aloendros, um cheirinho tão doce e enjoativo no ar, encontrou um seixo pequeno, do tamanho de uma amêijoa, rolado, liso, irisado, muito bonito. Quis guardá-lo. Enfiou-o dentro da narina direita. Andou com a pedrinha no nariz durante muito tempo. Não lhe causava incómodo. A mulher, porém, não se dera conta do brinde que a pedrinha levava; dois ovinhos minúsculos, amarelo esmaecido, que, com a humidade da cavidade nasal, não tardaram a eclodir. A mulher passou a sentir um saracotear dentro da narigona, muitas cócegas, como se uma lagarta de pezinhos de lã por ali andasse. Certa manhã, ao acordar, ouviu um coaxo, a seguir outro, depois mais outro. Que era aquilo? Que som estranho saía do seu corpo? Tentou espirrar a ver se se livrava do incómodo, mas nada. Foi às urgências em busca de alívio. O médico, um ucraniano de lábios muito finos e cabeleira despenteada, espreitou com uma lanterna fininha. A senhora tem duas rãs na narina direita, estão lá muito ao fundo, escondidinhas atrás de uma caixa cheia de livros e da bomba de hélio para encher balões, mesmo lá atrás, onde é mais húmido e escuro, quase não as vejo, vai ser o cabo dos trabalhos para as tirar de lá. Eu não consigo, explicou, por fim, amaciando a cabeleira farta e demoníaca, talvez seja melhor consultar um herpetólogo. Não foi fácil à mulher das narinas grandes encontrar um herpetólogo em Lisboa, os poucos que havia andavam por longe, nas selvas cor de laranja da Malásia, de galochas enfiadas, enterrados em pântanos e mangues, à cata de rãs, sapos, salamandras, lagartos e cobras. A mulher soube porém que, em Algés, ali junto do Aquário, vivia um velho estudioso que transformara o apartamento num imenso anfibiário-reptilário. Procurou-o. O velho era um ser estranho, muito esguio e escorregadio, parecia movimentar-se como uma sanfona.  À conta de tantos anos vivendo no meio de cascavéis, serpentes e dragões de komodo, o seu corpo adquirira a primitiva aparência dos répteis: os braços cobertos por escamas granulares, locomoção ondulatória, uma língua fissurada apta a detectar vítimas e predadores. O velho enfiou um capacete de mineiro com uma luz azul, fez pontaria e espreitou para dentro da narina direita da mulher.