Serpentes emplumadas e diários remendados para digerir noite
fora. Mastigar um e depois outro,
intervalando, para não enjoar. Uma
garrafa de vinho tinto que custou nove euros e um maço de cigarros. O Chico Buarque
canta para a mulher que dança na cozinha, descalça, calças descaídas,
t-shirt justa e curta, corpo moribundo
espreitando. Não há homem, nem sequer mulher, que a livre da morte. E, amanhã,
a mulher levanta-se às seis da manhã para levar a filha ao campeonato nacional de
ginástica. Como detesta a vidinha. Dizem, explicam-lhe, que é mal-agradecida, injusta e imatura, que é
estúpido, profundamente estúpido, querer da vida mais do que a rotina. Uma
pessoa deve habituar-se à indiferença reptilária, gelada e escorregadia. Arrogância
intolerável, essa de querer mais qualquer coisinha, primícias, liberdade, a poesia espalhada pelo chão.