O psiquiatra diz que devo contrariar a solidão. Aconselha-me a estar com outras pessoas, conhecer outras pessoas, falar com outras pessoas. Inscrevi-me por isso num clube de leitura. É organizado por uma associação recreativa que funciona num palacete em Xabregas. Servem bolinhos secos de pacote, jói de laranja e chá preto. No primeiro encontro, foi hoje, falei com uma rapariga ruiva e uma outra, de caracóis largos, que se atrapalhou a dizer o nome de um dos livros do Italo Calvino. A ruiva cheira a suor, tem os dedos dos pés gordos e enclavinhados, mas é simpática, ri-se bastante. A dos caracóis nem por isso, parece uma monja, tem um ar pesado, circunspecto, próprio de quem considera a literatura um assunto sério, intocável, essencial. “Nunca deixo um livro a meio”, disse com voz enfadonha quando lhe expliquei que cada vez tenho mais dificuldade em acabar uma história. Até dia 4 de Julho tenho de ler “O Baile”, da Irene Nemirovsky. Li-o há coisa de um ano, sei que gostei de o ler, e, no entanto, não me lembro da história, nem sequer de uma personagem, de uma frase ou de uma palavra. Pergunto-me: leio para quê?