2015/06/15

Lava

A Madalena está no treino, os rapazes estão no pátio a jogar à bola com o miúdo que se mudou para o apartamento do lado. Deambulo pelos quartos, pela sala. Tudo nesta casa está velho, gasto, há azulejos partidos, tacos levantados, as paredes estão sujas, precisam de pintura nova. Gostava de mudar de casa, de começar noutro sítio qualquer, mas não tenho nem dinheiro nem energia. Pego no livro que ando a ler. Memento Mori, da Muriel Spark. Não estou a gostar muito. Sinto uma picada por baixo do braço. Apareceu-me a menstruação esta manhã. Dói-me, como sempre, a mama esquerda. Volto à cozinha, espreito o bolo de banana que prometi fazer ao Joaquim. Leva bicarbonato de sódio em vez de fermento. Talvez por isso esteja tão bonito, a forma cheia. O dia termina, lá fora já quase não há luz. É a hora da solidão e do silêncio. A hora da metamorfose. Passo a ser nada, apenas o vazio. Gostava de me transcender pela escrita. Ser mais qualquer coisa através da escrita. Na semana passada, enquanto corria, surgiu-me uma ideia para um livro. É uma ideia boa, cheia de força, mas tenho medo de me sentar em frente do computador e de começar a escrever. O Deniz disse-me um destes dias que a sua amiga T. pontua melhor do que eu. Fiquei a pensar no assunto. Pontuar bem um texto é muito importante. Já não há quem pontue bem um texto. Quem escreva uma frase com absoluta correcção. Sinto-me triste, sozinha, a solidão pesa-me, estranhamente, porém, não quero estar com ninguém. Quero apenas abrir uma garrafa de vinho e beber dois ou três copos. Bebo demais. O vinho dá-me paz, adormece-me. Tenho comichão na mão. Acho que estou novamente com escabiose.