2016/02/20

Sopa de peixe

A minha mãe matou-me muitas vezes. Da primeira vez, era ainda pequenina, cabia dentro da sua mão, atirou-me ao mar. Da segunda vez, começava a dar os primeiros passos, aos tropeções pela sala do crocodilo amarelo, atirou-me ao rio. Quando tinha seis anos, no tempo em que usava o cabelo preso em duas tranças e passava o dia a soletrar palavras difíceis, pôs-me a dormir e ligou o gás do fogão. Devia ter dez anos quando misturou veneno na sopa de peixe. Sabia que, por ser a minha sopa preferida, a comeria até ao fim, raspando o prato até não sobrar uma gota. Aos treze anos, num domingo de tempestade, os relâmpagos caiam no monte de ervas altas, afogou-me na banheira. Aos quinze, já não esperava que o fizesse, sufocou-me com a almofada de veludo azul. Ontem, dia em que fiz dezoito anos, a minha mãe levou-me ao último andar da torre onde vivemos e empurrou-me. Cansada de morrer, olhei para as mãos da minha mãe, paralisadas no ar, e voei para longe.